Já pensou como uma simples postagem nas redes sociais pode gerar uma baita dor de cabeça, especialmente no ambiente de trabalho? O caso recente que tramitou na 1ª Turma do TST (Tribunal Superior do Trabalho) envolvendo uma funcionária do Bradesco é um prato cheio para essa reflexão.
A bancária, afastada de suas funções desde março de 2013, foi surpreendida com uma demissão por justa causa em fevereiro de 2015. Ela estava incapacitada para o trabalho devido a uma inflamação crônica nos tendões do cotovelo direito (diagnóstico comumente referido como “cotovelo de tenista”).
O motivo alegado pelo banco para a justa causa, conforme os autos, foi a prática de atividades físicas vigorosas, como crossfit. Foram anexadas ao processo as fotos postadas pela funcionaria em suas redes sociais, durante os exercícios.
A decisão do TST confirmou a reintegração da funcionária. O ocorrido acende um farol sobre a intrincada relação entre os direitos do trabalhador, as normas internas das empresas e, claro, a visão da justiça em situações de afastamento médico.
A decisão do TST e suas implicações
Tudo começou com a divulgação de fotos da bancária praticando crossfit em suas redes sociais. O que pode parecer corriqueiro, para o banco, significou que ela não precisava do auxílio-doença, uma vez que estava praticando uma atividade física conhecida por ser vigorosa.
Essa dúvida acendeu a discussão sobre a validade da justa causa durante um período de licença médica, e se a prática de atividades físicas para reabilitação seria relevante nesse contexto.
O contexto da demissão no Bradesco
A alegação de capacidade laboral pelo banco
O Bradesco alegou justa causa para demitir a escriturária. O argumento principal era que, mesmo afastada por problemas de saúde, a participação dela em atividades de alta intensidade como o crossfit indicava uma capacidade para o trabalho. Também descaracterizava a necessidade do recebimento de auxílio-doença.
Na visão do banco, se ela conseguia levantar peso no treino, por que não conseguiria desempenhar suas funções? Essa linha de raciocínio colocou em xeque a real necessidade do afastamento médico.

A decisão do TST
Insuficiência de provas da capacidade laboral
A argumentação do Bradesco não convenceu o TST. A 1ª Turma do Tribunal bateu o martelo e manteve a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, que já havia determinado a reintegração da bancária.
O ponto crucial para essa decisão foi a comprovação de que, na data da demissão, a funcionária ainda estava impossibilitada de exercer suas atividades no banco. Ou seja, o auxílio-doença ainda era necessário.
A distinção entre capacidade física e laboral
O relator do caso, Ministro Hugo Scheuermann, foi bem claro em sua decisão: não podemos presumir que só porque alguém consegue fazer certos exercícios físicos, essa pessoa também está apta para o trabalho.
Uma coisa é ter capacidade física para uma atividade específica, outra bem diferente é ter a capacidade funcional para desempenhar as tarefas do dia a dia no trabalho. Essa distinção foi fundamental para a vitória da bancária.
Prescrição médica e acompanhamento nas atividades físicas
Um dos trunfos da bancária foi apresentar provas de que a prática do crossfit não era por lazer ou “fingimento” de doença. Pelo contrário, a atividade tinha sido prescrita pelo seu médico ortopedista e era acompanhada de perto por um profissional de educação física.
O depoimento da personal trainer, que a acompanhava desde 2013, reforçou essa informação, detalhando que os exercícios visavam fortalecer e reabilitar uma lesão no ombro direito, seguindo as orientações médicas à risca.
Essa evidência jogou por terra a alegação de que o crossfit seria incompatível com o afastamento médico. Ficou claro que, naquele caso específico, a atividade física era parte integrante de um plano de recuperação terapêutico.
A justiça reconheceu a validade e a importância de atividades físicas orientadas por profissionais de saúde no processo de reabilitação e na melhora da qualidade de vida de quem está afastado do trabalho por questões de saúde.
Lesões decorrentes da atividade laboral
Outro ponto que pesou na decisão foi o reconhecimento prévio, em uma ação contra o INSS, de que a bancária tinha lesões ortopédicas nos braços causadas pelo trabalho no banco.
Essa constatação reforçou a ligação entre a condição de saúde dela e suas atividades profissionais.
A estabilidade provisória em casos de afastamento
Embora a decisão de reintegração tenha se baseado na invalidação da justa causa durante o auxílio-doença, o reconhecimento das lesões ocupacionais abre uma outra discussão: a possível estabilidade provisória no emprego após o retorno do afastamento. Essa questão não foi o foco principal da decisão, mas adiciona uma camada extra de complexidade ao caso e aos direitos da trabalhadora.

Quando a empresa pode demitir por justa causa durante o auxílio-doença?
A advogada trabalhista Larissa Salgado, do escritório Silveiro Advogados, discorreu a questão para o portal Folha de São Paulo. Ela explica que, em geral, o contrato de trabalho fica “suspenso” enquanto o empregado recebe benefício previdenciário, o que impede a demissão sem justa causa.
No entanto, a justa causa é uma exceção a essa regra. Se a empresa flagrar uma conduta do empregado que se encaixe nos motivos previstos no artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a demissão por justa causa pode ser aplicada mesmo durante o afastamento.
Um ponto interessante que a especialista aponta é que, mesmo que a justa causa seja aplicada durante o auxílio-doença, seus efeitos só se concretizam após o término do benefício, ou seja, depois que o trabalhador recebe alta médica.
Motivos legais para demissão por justa causa
A advogada listou alguns dos principais motivos que podem levar à justa causa:
- Ato de improbidade (roubo, desonestidade)
- Condenação criminal com sentença definitiva
- Mau procedimento (conduta inadequada no ambiente de trabalho)
- Desídia (negligência no trabalho)
- Violação de segredo da empresa
- Indisciplina ou insubordinação
- Abandono de emprego
- Ofensas físicas ou morais
É importante lembrar que, em alguns casos, como a desídia, a justiça costuma exigir que a conduta inadequada aconteça várias vezes para configurar a justa causa.
Perguntas Frequentes (FAQs)
1. A empresa pode me demitir se eu estiver de auxílio-doença?
Em geral, não. O contrato de trabalho fica suspenso durante o auxílio-doença. A exceção é a demissão por justa causa, mas ela precisa ser muito bem fundamentada em um dos motivos previstos na CLT.
2. Fazer atividade física durante o auxílio-doença é motivo para justa causa?
Não necessariamente. Se a atividade física for parte de um plano de reabilitação com prescrição e acompanhamento médico, como no caso da bancária, não deve ser considerada motivo para justa causa. O TST entendeu que capacidade para atividade física não significa necessariamente capacidade para o trabalho.
3. Que tipo de prova o empregado pode apresentar para se proteger?
É fundamental ter toda a documentação médica que comprove a necessidade do afastamento. Se estiver realizando alguma atividade física, deve ter a prescrição médica e o acompanhamento de um profissional qualificado que possa detalhar como essa atividade contribui para a reabilitação.
4. A decisão do TST garante estabilidade no emprego após o auxílio-doença?
Não diretamente. A decisão do TST se concentrou na invalidação da justa causa e na reintegração da funcionária durante o período de auxílio-doença.
A questão da estabilidade provisória, embora levantada pelas lesões ocupacionais da bancária, não foi o foco principal dessa decisão. A estabilidade em casos de doenças ocupacionais têm seus próprios requisitos legais.