A 2ª Vara do Trabalho de Bento Gonçalves (RS) proferiu a sentença que condena nove empresas e seus sócios a pagar R$ 3 milhões por danos morais a 210 trabalhadores resgatados em condições análogas à escravidão, em fevereiro de 2023.
A decisão, resultado de uma ação civil coletiva do Ministério Público do Trabalho (MPT-RS), lança luz sobre a persistente exploração do trabalho escravo no Brasil. O assunto também evidencia como a busca por oportunidades pode deixar os trabalhadores vulneráveis ao trabalho análogo a escravidão no Brasil.
Trabalho análogo à escravidão revelado em Bento Gonçalves
Os autos do processo detalham como trabalhadores, na sua maioria baianos, foram arregimentados para prestar serviços às vinícolas da região.
Inicialmente, os trabalhadores receberam a promessa de alimentação, hospedagem e transporte, mas ao chegarem ao Rio Grande do Sul foram informados de que deveriam pagar pelo alojamento, começando a trabalhar já endividados.
Alojamentos e alimentação precários somados à violência
Os trabalhadores resgatados em Bento Gonçalves relatam que viviam em condições degradantes, amontoados em alojamentos insalubres com alimentação imprópria. Sujeitos a um engenhoso sistema de escravidão por dívida, itens básicos eram cobrados a preços abusivos, e corroiam seus baixos salários.
A situação era agravada por relatos de violência física e psicológica, evidenciada pela apreensão de spray de pimenta, arma de choque e cassetete nos locais, expondo um cenário de terror e exploração.
A investigação em Bento Gonçalves revelou ainda uma tentativa sistemática de burlar a legislação trabalhista, com a ausência de contratos adequados ou a apresentação de documentos irregulares. Isso configurou uma estratégia para manter os trabalhadores em situação de vulnerabilidade e exploração, sem direitos básicos.

O impacto da lei da terceirização no trabalho análogo à escravo
A figura do “empreiteiro” aparece na investigação sobre trabalho análogo à escravidão em Bento Gonçalves, atuando como elo entre trabalhadores e empregadores, facilitando a exploração ao afastar as vítimas de suas origens.
Especialistas veem uma das causa deste cenário na lei da terceirização, criada durante o governo de Michel Temer. Ela facilita contratar trabalhadores sem fiscalização adequada para atividades essenciais. Algumas empresas terceirizadas alegam legalidade.
Porém, crescem os resgates de trabalhadores escravizados. Isso expõe a fragilidade da fiscalização, e a urgência dos trabalhadores em aceitar qualquer proposta.
O crescimento do setor vitivinícola e a crise da mão de obra
O setor vitivinícola da Serra Gaúcha cresceu muito nos últimos anos, junto com a qualidade dos vinhos. A produção aumentou sem o devido planejamento para garantir os direitos da mão de obra, já escassa na região.
A tradição informal de agricultores acolherem trabalhadores, embora ainda existente em menor escala, não consegue suprir a crescente demanda e não oferece a segurança jurídica necessária.
O que configura trabalho análogo à escravidão?
A legislação brasileira, especificamente o artigo 149 do Código Penal, define o trabalho análogo à escravidão por meio de quatro elementos:
Trabalho forçado
Ocorre quando a pessoa é obrigada a trabalhar sem sua livre vontade, sob ameaça, violência física ou psicológica, ou outros meios de coação.
Isso inclui a retenção de documentos, o isolamento geográfico e a pressão para cumprir jornadas e tarefas exaustivas sob punição.
Condições degradantes de trabalho
Referem-se a situações em que as condições de trabalho são precárias, atentando contra a saúde, a segurança e a dignidade do trabalhador.
Isso pode envolver alojamentos insalubres, alimentação inadequada, falta de acesso à água potável e instalações sanitárias mínimas, além da ausência de equipamentos de proteção individual em atividades de risco.
Servidão por dívida
Caracteriza-se quando o trabalhador contrai uma dívida com o empregador ou um preposto deste e é obrigado a trabalhar para quitá-la, muitas vezes com valores inflacionados, tornando a dívida impagável.
Essa dívida pode ser referente a custos de transporte, alimentação, aluguel de alojamento ou ferramentas de trabalho.
Jornada exaustiva
Implica em submeter o trabalhador a ritmos de trabalho extenuantes, com longas horas sem descanso adequado, privação de sono e ausência de pausas para refeições e necessidades fisiológicas, comprometendo sua saúde e segurança.
O papel do MPT na defesa dos direitos trabalhistas
Infelizmente, a decisão em Bento Gonçalves não é um caso isolado. Denuncias de trabalho análogo à escravidão são recorrentes em diversas regiões do Brasil, especialmente em setores como a agricultura, a construção civil e a indústria têxtil.
O MPT tem a função de defender os direitos sociais e os interesses coletivos dos trabalhadores. No caso de Bento Gonçalves, o MPT-RS moveu a ação civil coletiva que culminou na condenação das empresas.
Como a sociedade pode ajudar a combater o trabalho análogo à escravidão?
Através da informação, da denúncia de casos suspeitos aos órgãos competentes (como o Disque 100 ou a Auditoria Fiscal do Trabalho), e do apoio a iniciativas que promovem a justiça social e a defesa dos direitos humanos.
Campanhas de conscientização sobre os direitos trabalhistas são vitais para empoderar os trabalhadores, para que eles saibam identificar e denunciar situações de exploração. É preciso criar canais de denúncia acessíveis e seguros, garantindo a proteção de quem se atreve a romper o silêncio.